Crónicas de um Refúgio Falhado - O Resort Onde Ninguém Sabia Sussurrar

 



Fugi para um hotel tudo incluído na esperança de encontrar silêncio. Não pedia luxo; bastava-me um canto onde o mundo não gritasse tão alto. O hotel estava gasto, a comida artificial, mas naquele fim de semana eu só precisava de paz — mesmo que servida em tabuleiro de plástico.

À tarde, procurei refúgio na piscina interior. A água gelada empurrou-me para a sauna, onde finalmente consegui respirar. Quinze minutos de calor, silêncio e esquecimento. Saí dali quase outra pessoa.

Mas bastou chegar à espreguiçadeira para perceber que a paz tem sempre prazo de validade. Uma criança na piscina gritava como se o eco lhe pagasse um salário, enquanto atirava água para todos os cantos visíveis e invisíveis. Nada contra crianças — o problema era o cenário. A zona era supostamente tranquila.

Os pais? Hipnotizados pelos pequenos ecrãs, só levantavam os olhos para puxar dos seus cigarros eletrónicos. Dentro de um espaço fechado. Era como se a noção básica de respeito tivesse sido retirada do pacote tudo incluído. Como não tenho autoridade sobre adultos que se comportam como adolescentes tardios, abdiquei eu do meu conforto. Fui embora.

Tomei um banho longo, tentando lavar também a irritação que me colava à pele.
No jantar, com um copo de espumante na mão e esperança renovada, o silêncio durou pouco. Entrou um grupo barulhento, rindo com a intensidade de Whoopi Goldberg num talk show. Transformaram o restaurante num festival improvisado. Engoli a refeição com um único desejo: que não ficassem hospedadas perto do meu quarto.

Mas resorts têm essa mania democrática de misturar toda a gente nos mesmos espaços. Acabei recolhida ao quarto, a torcer para que o dia seguinte tivesse modos.

Não teve. Chegou outro grupo, tão enérgico quanto as senhoras do riso contagiante. Batizei-os de “os Snoop Dogg”. Entre vozes altas e playlists duvidosas, decidi fugir novamente: comi às pressas, deixei os ovos e o bacon para trás, e fui conhecer a cidade — mesmo com o frio a cortar-me o nariz.

Voltei na hora do almoço, calculando o relógio como quem tenta evitar tempestades humanas. Cheguei cinco minutos atrasada e, para meu espanto, havia paz. Sol pelas janelas, silêncio no ar. Quase um milagre.
Peguei no café e fui para a esplanada. E foi aí, claro, que os dois grupos chegaram ao mesmo tempo.

A tarde dissolveu-se num caos estudado: as Whoopi Goldberg transformaram a piscina num cabaré ao ar livre, e os Snoop Dogg fizeram da varanda do quarto um palco de rap clandestino. Era a liberdade deles, diziam os risos, as colunas vibrantes. Mas quando é que a liberdade de uns deixa de ser liberdade e passa a ser invasão?

Paguei uma pequena fortuna por um fim de semana que prometia silêncio e me entregou ruído. Voltei para casa mais cansada do que fui, com uma pergunta que me acompanha cada vez mais:
porque é que tanta gente acredita que a sua diversão tem prioridade sobre o bem-estar dos outros?

Às vezes, penso que o mundo moderno não odeia o silêncio.
Simplesmente, esqueceu que ele existe.


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